Terapia e cura pública antes de 1482: a historicidade dos ngangas, fumú, ngondo e dos minkisi na África Central.

  • 1. Origem Ontológica da Ficus thonningii (c. 1000 a.C.)
    1000 BCE

    1. Origem Ontológica da Ficus thonningii (c. 1000 a.C.)

    O complexo Ficus thonningii teve sua origem na África Oriental, espalhando-se amplamente pela África Central. Conhecida por sua capacidade de conservar a umidade do solo e aumentar sua fertilidade, tendo papel central nas aldeias locais do Baixo Congo. sendo relevante para a terapia pública, pois a árvore se tornou um traço metonímico dos ancestrais, mediando a relação entre os espíritos tutelares da terra e os recém-chegados.
  • 2. Consolidação Material e Linguística (c. 500 a.C.)
    500 BCE

    2. Consolidação Material e Linguística (c. 500 a.C.)

    Por volta de 500 a.C., comunidades bantu se estabeleceram ao longo do rio Congo, formando a comunidade linguística proto-kongo-yaka. Este período é marcado pela densificação das aldeias, difusão da metalurgia e cultivo de milho-miúdo. Essa mudança material e a formação da protolíngua são cruciais, pois é neste contexto social que os conceitos de cura e ontologia, como a musanda, se cristalizam e se tornam parte das práticas dos povos do Baixo Congo.
  • 3.Ritos de Fundação e Consagração da Aldeia com a Musanda (c. 500 a.C.)
    500 BCE

    3.Ritos de Fundação e Consagração da Aldeia com a Musanda (c. 500 a.C.)

    A musanda (Ficus thonningii) era usada no ritual de fundação de novas aldeias. Seu papel era mediar a relação entre os recém-chegados e os espíritos terrestres (basimbi), sendo associada à prosperidade, proteção e poder. Este é um evento central para a "terapia pública", pois a fundação da aldeia é um ato de cura social e garantia de bem-estar coletivo. A árvore assegurava a saúde e a reprodução da comunidade em seu novo ambiente.
  • 4.Objetos de Força e Espíritos do Território (Nkisi e Sambwa) (c. 200 a.C.–400 d.C.)
    400

    4.Objetos de Força e Espíritos do Território (Nkisi e Sambwa) (c. 200 a.C.–400 d.C.)

    Neste período, categorias conceituais que unem recipientes, remédios e entidades espirituais locais se consolidam, precursores dos objetos de força (nkisi) e dos espíritos do território (sambwa). Esses objetos eram instrumentos de mediação entre humanos e forças invisíveis, buscando restaurar o equilíbrio moral e ambiental. A cura se expande para a recomposição das relações sociais e cósmicas.
  • 5. Consolidação dos Especialistas: Nganga e Fúmú (c. 400–900 d.C.)
    400

    5. Consolidação dos Especialistas: Nganga e Fúmú (c. 400–900 d.C.)

    Líderes especialistas como o nganga (curandeiro) e o fúmú (chefe/guardião), se torna evidente. Eles eram responsáveis por intervir nas crises, restaurando a ordem social por meio do conhecimento ritual. Sua autoridade derivava da capacidade de recompor os vínculos entre corpo e comunidade. Essa especialização revela a importância da cura pública, que passa a integrar o funcionamento ordinário das sociedades bantu, com o especialista atuando como mediador legítimo entre o visível e o invisível
  • 6.Formação de Assentamentos Maiores (c. 900–1200 d.C.)
    900

    6.Formação de Assentamentos Maiores (c. 900–1200 d.C.)

    Curandeiros e médiuns atuavam como intérpretes das tensões sociais, transformando a doença em linguagem de crítica e reflexão coletiva. O tratamento das enfermidades tornava-se diagnóstico moral e político: a cura servia para restaurar a ordem e corrigir desvios de conduta ou abusos de poder. Essa função crítica baseia-se em estruturas antigas de autoridade espiritual, nas quais a terapia pública era um sistema de justiça, reorganizando a vida social
  • 7.A Cura como Crítica Social e o Diagnóstico Moral (c. 1200–1400 d.C.)
    1200

    7.A Cura como Crítica Social e o Diagnóstico Moral (c. 1200–1400 d.C.)

    Curandeiros e médiuns atuavam como intérpretes das tensões sociais, transformando a doença em linguagem de crítica e reflexão coletiva. O tratamento das enfermidades tornava-se diagnóstico moral e político: a cura servia para restaurar a ordem e corrigir desvios de conduta ou abusos de poder. Essa função crítica baseia-se em estruturas antigas de autoridade espiritual, nas quais a terapia pública era um sistema de justiça, reorganizando a vida social.
  • 8.A Ficus como Arquivo Vivo e Eixo de Chefia (c. 1300–1400 d.C.)
    1300

    8.A Ficus como Arquivo Vivo e Eixo de Chefia (c. 1300–1400 d.C.)

    A Ficus assume função política e genealógica no Baixo Congo, sendo o lugar da memória e da legitimidade no centro da aldeia. A árvore transforma-se em arquivo vivo, concentrando a experiência comunitária. A vitalidade da Ficus espelha a prosperidade do grupo; seu cuidado equivale ao cuidado com a vida coletiva. A autoridade do chefe depende da preservação desse elo vegetal-espiritual, que continua os ancestrais e o presente, a memória e a saúde da aldeia.
  • 9.Redes Regionais e Circulação de Saberes Terapêuticos (c. 1400–1480 d.C.)
    1400

    9.Redes Regionais e Circulação de Saberes Terapêuticos (c. 1400–1480 d.C.)

    A circulação de remédios e especialistas entre comunidades interligadas se intensifica. Essa mobilidade ampliava a eficácia das práticas e permitia a difusão de cosmologias comuns. A cura pública transformava-se em linguagem compartilhada por diferentes regiões. A troca de saberes reforçava laços de solidariedade e interdependência moral. Essas redes de cura demonstram a existência de um espaço cultural integrado, no qual o conhecimento sobre a vida e a saúde circulava como bem comum.
  • 10.Maturidade Institucional da Terapia Pública (c. 1400–1482)
    1480

    10.Maturidade Institucional da Terapia Pública (c. 1400–1482)

    Na virada do século XV, as práticas de cura e mediação espiritual haviam se integrado profundamente à estrutura política das comunidades. As árvores consagradas, os objetos de força e a atuação dos especialistas constituíam o núcleo simbólico da vida pública. O saber terapêutico circulava por redes regionais que consolidavam uma moral compartilhada. A cura pública alcança sua maturidade institucional: a intervenção dos especialistas era essencial à coesão social.
  • Conclusão
    1482

    Conclusão

    A África Central consolidou um sistema de cura pública que unia natureza, ancestralidade e política. A Ficus , descrita por Almeida, simbolizava o elo entre vivos e mortos, tornando-se eixo moral e espiritual das aldeias. Schoenbrun mostra que o vocabulário bantu já integrava remédio, força vital e justiça, revelando uma ética coletiva da cura. Feierman evidencia que os curandeiros exerciam também funções críticas, reorganizando a vida social.